quinta-feira, 11 de agosto de 2022

FELIZ DIA DO ESTUDANTE! - Prof. Jr.

 Dia do estudante - 11/08/2022



Hoje é dia do estudante, portanto, feriado e escolas vazias. Natural, o estabelecimento de “um dia do” quase sempre remete a isso, um descanso, para o estudante, o professor, etc, nos seus respectivos “dias do”. Ambos os exemplos, aluno e professor, docente e discente, pela sua atuação praticamente diária durante o ano letivo, merecem sim uma folga, um dia sem as obrigações inerentes, sejam as presenciais, tais como: exposição, conversa, diálogo, troca mútua de dúvidas e esclarecimentos, ou individuais e distantes como: atividades, exercícios, correções e anotações. Aí surge uma ideia, e proposta de reflexão. Há pouco tempo, e não pela primeira vez, uma aluna me falou, sem rodeios ou receios sobre uma cobrança que fiz sobre atividades corriqueiras, sem meias palavras, disse “ - Professor, se a gente já não faz nada aqui, como o senhor espera que a gente corra atrás?, não vamos”. Embora já acostumado com esse tipo de displicência ao falar da falta de comprometimento com os estudos, essa fala me afetou em dois momentos distintos e de maneiras diferentes, primeiro porque era uma assunção em alto e bom som, para todos na sala, que “não se deveria esperar nada deles, visto que o pouco que faziam em sala já era mais do que eu podia esperar”, a segunda eu só me dei conta pensando no assunto no caminho de volta para casa, aquela menina não só fez uma indecorosa declaração sobre SUA falta, mas inseriu a todos os seus colegas no mesmo problema e nenhum se manifestou nem para negar, nenhuma reação do tipo “- Ei, você fala por você, eu não sou assim”. Não, essa segunda afetação me marcou mais, pois como já tinha dito, não era a primeira vez que ela se referia com desprezo à educação escolar, mas, o silêncio geral ante aquela declaração que incluía a todos na mesma falta é, no mínimo, surpreendente. Conhecendo os outros alunos presentes, sei que mais da metade, se perguntados individualmente, rejeitariam a inclusão dentro da pluralidade do coloquial “a gente” da primeira menina, ainda há outros que, cientes dos próprios esforços (ou falta de), diriam, “não é bem assim”, portanto sobrariam apenas três ou quatro, logrados à acepção da pecha (“a gente já não faz nada aqui”) entenderiam por bem se incluir nessa pequena pluralidade pouco obsequiosa. Mas, de onde vem esse silêncio, esse estarrecedor e eloquente silêncio dos que se calaram?

Há pouco tempo, em outra conversa em sala, surgiu o tema: “ser ou ter”. Tema filosófico por excelência, pode ser bastante complexo ou simples a depender da profundidade da observação, porém, pelo menos não entre jovens (ou posso estar sendo ingênuo), eu não esperaria nunca uma predominância da ideia de que “ter” é mais importante do que “ser”. E veja bem, não estou falando em profundas discussões ontológicas, apenas pelo óbvio de que “ter”, por todos os lados que se possa observar, é mais superficial do que “ser”. A própria escola é a instituição que preza pelo ser, pela constituição do ser, não pelo “parecer”, não pelo “ter”. Somos do gênero Homo da espécie Homo sapiens, nossa distinção enquanto espécie animal é “saber” não “possuir”, nossos antecedentes puderam ficar em pé (H. Erectus), e construir equipamentos simplórios (H. Habilis), eles não evoluíram para o Homo dives, ou possessivum (Hannah Arendt fala do animal laborans, mas é outra história) . Nossa base enquanto espécie é o intelecto, e é do intelecto que a escola trata, é sobre o intelecto que “o estudante” (em tese) deveria pousar a maior parte dos seus esforços. Sêneca, “o jovem”, dizia que “aprendemos não para a escola, mas para a vida”, essa ideia que ganha nos últimos tempos uma pecha depreciativa sobre a noção de “intelecto”, de “intelectual”, é nociva, intelecto se faz com aprendizado, e o aprendizado é para fazer a vida mais completa, menos superficial, é da escola ṕara a vida, uma vida abundante. Bias de Priene, um dos sete sábios da Grécia antiga, disse algo que foi repetido depois por Sêneca, mas que talvez tenha vindo de outro autor chamado Simônides de Ceos. A frase que ficou para a posteridade gira em torno disto: ”Omnia mea mecum porto” (“Tudo o que é meu carrego comigo”). O relato de Fedro sobre esse poeta é elucidativo. Segundo Fedro, Simônides estava em um barco que naufragou, ele teria deixado tudo que era seu afundar enquanto outros se afogaram querendo salvar suas riquezas, outros chegaram à praia com alguma coisa e pereceram entre ladrões, ele que saiu sem nada chegou a uma cidade vizinha onde encontrou pessoas que admiravam sua poesia e o acolheram da melhor maneira possível. Fedro termina essa história dizendo “Homo doctus in se semper divitas habet” (“Um homem douto sempre tem riquezas em si”). Creio que está claro a diferença sublime entre ser e ter. Creio que está mais ainda claro o que me assustou tanto no diálogo com meus alunos. 

Falta aos estudantes(maioria) o básico que é “querer saber”. A alguns pelo menos; por enquanto, espero. Quem sabe a culpa seja minha que não consegui transmitir de maneira mais enfática meu sentimento absolutamente extravagante sobre o valor de “saber”, quem sabe o mundo não tenha ajudado, quem sabe é apenas o momento. Por enquanto, enfim, estou assustado. Me pergunto se mereço esse dia de descanso ante uma batalha tão essencial e tão difícil que é superar esse silêncio ensurdecedor, que é, metaforicamente, sacudir os ombros dos meus jovens alunos e alunas e perguntar: “ - Por que não estão preocupados?”, indago-me se em algum momento desse dia de sol, algum deles também se questionou: “- Que estudante tenho sido?”.

Interrompido, por ora, o desabafo. Espero que vocês, meus alunos e alunas, tenham um ótimo dia, um ótimo dia de estudantes!


Bom feriado!


P.S. - basicamente sem revisão, perdoem qualquer detalhe.


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